A desigualdade no consumo de bens e serviços entre brancos e negros persiste até mesmo entre pessoas na mesma faixa de renda. Levantamento da consultoria IDados, com base na Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017/2018 do IBGE, mostra que negros gastam menos em serviços como educação, saúde e transporte do que brancos. O mesmo não acontece com produtos de beleza, cujo gasto dessa parcela da população é superior em quase todas as faixas de rendimentos, refletindo o despertar da indústria para criar produtos para esse público.
Os negros, que representam 54% da população, gastam 38% menos do que desembolsam brancos com educação.
Uma das questões diz respeito à discriminação dentro dos diferentes espaços de consumo, como escola, e que não estão ligados à renda, mas ao status social. Isso acaba afetando o consumo analisa Marcelo Paixão, professor da Universidade do Texas, em Austin, nos EUA, estudioso de desigualdade racial.
Nos gastos com saúde, a situação se repete. Os negros destinam 36% menos para saúde, incluindo remédios e plano privados. Com transportes, o consumo é 25% menor.
Para especialistas, a desigualdade racial no consumo decorre da disparidade de renda nessa parcela da população, considerada estrutural da sociedade brasileira. Em alguns casos, superior a 30%, com pessoas do mesmo grau de ocupação, segundo o IBGE.
É um quadro que reflete a desigualdade no país, bem parecido ao que encontramos na desigualdade de renda explica Guilherme Hirata, do IDados.
Haroldo César, de 57 anos, gari, chegou a matricular os dois filhos, de 13 e 15 anos, em uma escola privada após ganhar bolsa parcial de estudos, na tentativa de oferecer uma educação melhor. Com as contas apertando, o orçamento de R$ 4,5 mil, recolocou os meninos na escola pública.
Se não der na universidade pública, vamos ter de dar um jeito para que eles entrem na particular mesmo. Quero que eles façam faculdade de qualquer forma afirma César.
Desconforto em ambientes dominados pela população branca, como shoppings e educação privada, podem explicar esse consumo menor, mesmo com a renda semelhante. Pesquisa desenvolvida por Paixão mostrou que a dificuldade na concessão de créditos para negros no país: 44,6% da demanda desses empresários não eram atendidas, enquanto que 29,4% dos brancos enfrentavam esse problema.
A desigualdade de consumo pode aprofundar a distância entre brancos e negros no mercado de trabalho. Nina Silva, fundadora do movimento Black Money, que busca conectar pessoas negras empreendedoras, afirma que há um distanciamento de acesso a serviços que poderiam dar um padrão de vida melhor para essa parcela da população que representa 75% dos 10% mais pobres do país.
Na avaliação de Nina, o gasto com produtos de beleza, única despesa cuja parcela negra da população destina mais recursos, pode estar ligada à necessidade de pertencimento na sociedade, principalmente pelos padrões de beleza estabelecidos.
Mais produtos
O lançamento de produtos específicos para o tipo de cabelo e pele da população negra nos últimos anos pela indústria de cosméticos também explica esse consumo maior.
Quando a população negra passa a ter poder de consumo vai procurar produtos que reforçam suas estéticas. E as empresas têm investido nisso explica Adriana Barbosa, idealizadora da Feira Preta.
Segundo pesquisa feita pelo Instituto Locomotiva, esse é um enorme potencial a ser explorado: 67% dos consumidores negros preferem marcas que tenham valores parecidos com os seus. O potencial de consumo de R$ 1,7 trilhão por ano, segundo o instituto.